Fogo Amigo

Artigo escrito por Erick Wilson Pereira, doutor em direito constitucional pela PUC-SP

A estratégia do fogo amigo, apesar de velha conhecida dos homens do poder, volta e meia faz vítimas curtidas na salmoura dos relacionamentos de ocasião. Cotidianamente, a mídia nos presenteia uma mixórdia de notícias incensadas, fabricadas ou requentadas por força de ataques feitos por amigos, colegas ou aliados. No contexto, a expressão fogo amigo remete a comportamentos de traição, não a equívocos involuntários.

Por sorte, informação ou interesses de outros aficionados do fogo amigo, os prejudicados conseguem determinar o DNA da malícia e estancar a sangria. Pois é difícil, entre tantos circunstantes que assediam os poderosos, identificar ressentimentos, amarguras, ciúmes, ambições e interesses divergentes, mudanças de planos e de caráter, metamorfoses sob o efeito do êxito e da cobiça.

Não sendo o ser humano um traidor inveterado a inteligência aponta que a cooperação e a reciprocidade atendem melhor seus interesses em longo prazo acontece de nem sempre ele contar com o tempo, as crises e as dissensões para pôr à prova suas amizades.

À procura de um modo de proceder ou de se conformar, muitos recorrem ao repositório de sabedoria contida na filosofia e na literatura. Assim é que, ante a complexidade sutil e os imprevistos das interações sociais, escarmentados, pessimistas ou desiludidos podem se decidir pela causticidade de Brecht: “Eu não confio nele. Somos amigos”. Ou abraçar o cinismo de Voltaire: “Que Deus me defenda dos meus amigos, já que sei defender-me muito bem dos meus inimigos”. Ou a contradição de Victor Hugo: “A metade de um amigo é a metade de um traidor”. Ou a prudência de Baltasar Gracián: “Trata os amigos de hoje como se pudessem se tornar os piores inimigos de amanhã. Uma vez que isso pode acontecer, na realidade, que tal fato seja previsto. Ou o ceticismo de Shakespeare: "Os amigos me adulam e me fazem de asno, mas meus inimigos me dizem abertamente que o sou, de forma que com os inimigos (...) aprendo a me conhecer e com os amigos me sinto prejudicado".

Há um conselho atribuído a Bias, um dos Sete Sábios, que o Cipião de Cícero repelia com indignação, pois jamais se poderia encontrar frase mais hostil para a amizade: “Amai como se um dia deveis odiar”. Melhor e ético, segundo ele, seria recomendar cuidado na escolha dos amigos. Mas, uma vez confrontado com uma escolha infeliz — a maioria de nós é imprudente nessa esfera —, difícil é suportá-la com paciência, fleuma e resignação, e precaver-se a tempo contra eventual fogo amigo, cuidar para não sofrê-lo.

Platão, em Carta aos Amigos, resume a dificuldade de se acautelar contra um fogo amigo. Um homem virtuoso, prudente e sábio nunca pode enganar-se inteiramente sobre o caráter dos celerados, mas talvez não seja surpreendente que lhe aconteça a mesma coisa que a um piloto hábil, que não deixa de prever uma tempestade, mas que nem sempre pode calcular a sua violência extraordinária e inesperada; nesse caso, forçosamente naufraga”.

Mais comum é o reconhecimento penoso e tardio do grau de animosidade de um falso amigo que se traveste de aliado inofensivo. Mal-intencionado e cultor do próprio ressentimento, jamais descura de seus disfarces hipócritas. Aliás, o potencial de aniquilamento do fogo amigo é diretamente proporcional à máscara de amizade ou capacidade de dissimulação do amigo-urso, geralmente pródigo em obsequiosidade oportunista, complacência inspirada e solícita, naturalidade com que evita enfrentamentos com a verdade.

Assim como sucede a todo inimigo, não há adepto do fogo amigo insignificante, inapto e inapetente para o métier. Mas, ao passo que muito devemos ao inimigo declarado — franco e útil como o fogo —, a substância traiçoeira do falso amigo é a voracidade da sua malícia comprometedora.

Conta Plutarco, entusiasta da moral prática, que o inimigo idealmente deve ser considerado do mesmo modo que o fogo. Queima, quando nós o tocamos, mas possui uma infinidade de utilidades para aqueles que sabem manejá-lo. Tudo para dizer que enquanto os imbecis lidam mal com suas amizades, os sensatos sabem tirar proveito até de suas inimizades. Imagino como deve ser difícil ser sensato nos dias de hoje.
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Milan Tomic

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